quarta-feira, 17 de março de 2010

O Ultimato Inglês

Em 1889, morreu o rei D. Luís, tendo-lhe sucedido o filho D. Carlos.


Fig. 1 – D. Luís I, Rei de Portugal

A morte deste monarca, constituiu uma viragem decisiva na vida política do País e, consequentemente, da vida da Monarquia. Esta mudança de paradigma, não foi pacífica tendo o seu epílogo no regicídio de 1 de Fevereiro de 1908.
Este período de mudança, foi marcado por acontecimentos de índole interna e externa de extrema importância.
No que diz respeito aos acontecimentos de índole externa, há que acentuar o choque entre as políticas colonialistas inglesas e as pretensões portuguesas em África, que foram digeridas de uma forma pouco inteligente pelos sucessivos monarcas, que não souberam dar à acção corajosa dos exploradores portugueses naquele continente, o suporte jurídico e diplomático necessário para viabilizar os seus achados. Quando D. Carlos subiu ao trono, estava já latente o conflito anglo-português que atingiu o seu ponto culminante no Ultimato Inglês de 11 de Janeiro de 189.
Na Conferência de Berlim, 1884 – 1885, alteraram-se as regras de ocupação e posse dos territórios coloniais: para a ocupação dos referidos territórios, passou a vigorar o princípio da ocupação efectiva dos mesmos, em detrimento dos direitos históricos.


Fig. 2 - Conferência de Berlim

Posteriormente à Conferência de Berlim, evidenciou-se a competição entre as grandes potências europeias para a partilha de África, onde os portugueses estavam estabelecidos desde o século XV. Ora, os ingleses que, desde meados do século XIX, forma lançando os suportes de um grande império africano, instalaram-se na África do Sul e no Egipto e tentaram ligar ambos os territórios construindo, para tal, uma linha férrea que ligasse a cidade do Cairo, no Egipto, ao Cabo, demonstrando, assim, o seu poderio.
Este projecto, chocava, entre outros, com a presença de Portugal nos territórios entre Angola e Moçambique, que constituíam vastas possessões e que eram separadas por territórios pouco conhecidos e inexplorados, onde a influência dos povos e nações europeus logravam de grande margem para exercer o seu domínio e fazer valer os seus interesses nacionais.
Para fazer prevalecer os nossos interesses, Portugal elaborou o Mapa cor-de-rosa, que ficou para sempre associado a uma das maiores crises que o país vivenciou no decurso da sua História. Este Mapa cor-de-rosa, consistia num projecto de formar um domínio que unisse territorialmente Angola a Moçambique.
Os governos monárquicos adoptaram-no e basearam nele a política colonial que teve por fim um inútil vexame nacional. Portugal, reivindicou a posse efectiva dos territórios que faziam a ligação entre Angola e Moçambique, para fazer, no seu conjunto, um império luso. Contudo, esta pretensão não foi levada a bom porto, em boa parte, devido à falta de preparação e completo desconhecimento das condições necessárias em que era preciso conduzir este projecto bem como das realidades internacionais, de modo a evitar surpresas desagradáveis, como acabou por acontecer.


Fig. 3 - Mapa cor-de-rosa

Desde finais do século XIX que o governo português conhecia as pretensões Britânicas, bem como estava ciente da necessidade de estabelecer um diálogo diplomático com a Grã-Bretanha a fim de harmonizar os seus interesses com os nossos. Contudo, havia um obstáculo sério à realização desse objectivo: em certos meios políticos europeus da época, era bem visível a tendência para “jogar a carta alemã”(1) contra a Grã-Bretanha, numa altura em que a importância do material bélico alemão se fazia sentir no contexto internacional. Esta tendência, fez com que os responsáveis políticos britânicos olhassem para Portugal como que de uma forma desconfiada. Foi este contexto político-social que esteve na origem do Ultimato de 1890.
Em 11 de Janeiro de 1890, o governo da Grã-Bretanha enviou, ao governo português, um ultimato redigido nos seguintes termos:
“O governo de S. M. britânica deseja e insiste vivamente no seguinte: que se enviem ao governador de Moçambique instruções telegráficas imediatas, para que todas e quaisquer forças militares portuguesas, actualmente no Chire e nos países dos macololos e machonas, se retirem. O governador de S. M. entende que, sem isto, as seguranças dadas pelo governo português são ilusórias. Mr. Petre ver-se-á obrigado, à vista das suas instruções, a deixar imediatamente Lisboa com todos os membros da legação se uma resposta satisfatória à precedente intimidação não por ele recebida esta tarde, e o navio «Enchantress» está em Vigo esperando as suas ordens.
Legação britânica, 11 de Janeiro de 1890”(2).
Na noite do dia 11 de Janeiro de 1890, foi marcada uma reunião do Conselho de Estado, em cuja acta, se reflecte o desassossego latente nos discursos aí realizados bem como a certeza de que Portugal não estava preparado para enfrentar a situação.
Foi sob ameaça de tomada pela força do território que separa Angola de Moçambique e da invasão do nosso país, que D. Carlos se viu coagido a ceder às exigências britânicas, o que despoletou vários protestos por parte da população, com subsequente aproveitamento dos adeptos do regime republicano.


Fig. 4 - O Ultimato, segundo caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro

À medida que a notícia se ia tornando pública, a excitação popular aumentava. Nos cafés da Baixa, grupos indignados com a afronta, bradavam a sua cólera. Foi de um deles que partiu a primeira manifestação popular de protesto contra a afronta inglesa e a inacção dos dirigentes monárquicos. Nestas manifestações, sucedeu que o povo como que descobriu o alvo para a sua ira impotente, para a sua angústia e patriotismo ofendido: desde este momento, a Monarquia era vista pelo povo como símbolo da derrocada que, para além de arrastar o país para o abismo da corrupção, o atingiu em cheio no seu orgulho, na sua honra e dignidade.
Para além destas manifestações populares, também na literatura se fez sentir este descontentamento: Guerra Junqueiro, escreveu três poemas que lhe deram notoriedade literária: “A marcha do "Ódio”, o “Finis Patriae” e a “Pátria”, que ficaram na nossa literatura, como a maior expressão de descontentamento do Povo e da separação irreversível que se gerou entre a Nação e a Monarquia.
“Guerra Junqueiro, filiou-se, anos mais tarde, no Partido Republicano, bem como outros monárquicos que deixaram os agrupamentos em que estavam, desiludidos”(3) . Por aqui se vê que as evidentes demonstrações da ansiedade popular, que se faziam sentir um pouco por todo o país, encontrassem eco nos mais altos e eloquentes personagens da época.
Foram nestas jornadas tumultuosas de Janeiro de 1890 que a incompatibilidade entre o Povo e o Rei se tornou definitiva e incansável.


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(1) "História da República Portuguesa". Cota 94(469)His. Editora Século.Pág.38
(2) "História da República Portuguesa". Cota 94(469)His. Editora Século.Pág.39
(3) "História da República Portuguesa". Cota 94(469)His. Editora Século.Pág.44

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